Evolução e Biogeografia de Cetáceos

cetaceos

Figura 1: A: Pakicetus, fonte 1; B: Basilosaurus, fonte 2; C: Odontecete; D: Misticete

O que é a Biogeografia?

A Biogeografia é a área de estudo da ciência que tenta compreender a distribuição das espécies e dos ecossistemas. A distribuição atual das espécies deve-se a dois fatores:

Os seus antepassados, espécies que já não existem hoje, mas que evoluíram/adaptaram-se de modo a chegar às espécies que são nossas contemporâneas. 
As transformações geológicas do nosso planeta que levou a que as espécies tenham a sua distribuição atual.

Arqueocetos, os antepassados dos cetáceos

Antes de existirem os cetáceos tal como os conhecemos hoje existiram os seus antepassados, os Arqueocetos (baleias ancestrais) que já estão desde há muitos milhões de anos extintos. 

É atualmente consensual que a família Pakicetidae é o ancestral comum de todas as espécies de cetáceos que existem atualmente. Os primeiros registos fósseis foram encontrados no Paquistão em 1970. Pensa-se que esta espécie viveu há cerca de 55 Ma, sendo aceite que o hipopótamo é a espécie de mamífero terrestre mais próximo deste antepassado dos cetáceos. Desde esse tempo a Terra, tal como a conhecemos hoje, sofreu grandes transformações geológicas que levaram à atual distribuição dos cetáceos.

Transformações no Planeta Terra? 

Durante 55Ma, o nosso planeta passou por 5 épocas (Eoceno, Oligoceno, Mioceno, Plioceno e Pleistoceno) até chegarmos à época em que vivemos atualmente: o Holoceno (Figura 2).

Planeta Terra há 55Ma

Figura 2: Planeta Terra há 55Ma, setas e circunferências mostram os locais das principais transformações no nosso mundo desde há 55Ma, números mostram a ordem pelo qual aconteceram, fonte 3.

1) Durante o Eoceno (55-35Ma), os primeiros cetáceos apareceram em zonas estuarinas e costeiras, naquele que era conhecido como o Mar de Tethys. O Planeta era um local bem mais quente daquele que temos hoje.  

Foi durante esta época, que aconteceram possivelmente as maiores transformações morfológicas nos Arqueocetos, na sua adaptação ao meio marinho ocorreram 5 transformações principais no seu corpo (Figura 3):

  1. A passagem gradual do nariz na face anterior do focinho para o topo da cabeça, ao qual chamamos hoje de espiráculo.
  2. A regressão das “pernas” para o interior do corpo, sendo hoje apenas um órgão vestigial.
  3. Os “braços” transformaram-se em órgãos de apoio à natação, no caso as atuais barbatanas peitorais.
  4. A cauda começou a transformar-se no órgão principal de propulsão, sendo hoje a conhecida por barbatana caudal.
  5. Por último com todas estas transformações o corpo começou a ser muito mais aerodinâmico para o meio aquático.

Figura 3: Evolução dos Arqueocetos desde o mais distante ancestral comum da família Pakicetidae até à família Basilosauridae, fonte 4.

2) & 3) Durante o Oligoceno (35-23Ma) e o Mioceno (23-5Ma), ocorreram três grandes transformações geológicas que transformaram bastante os oceanos, primeiro a atual India juntou-se à Asia, levando ao contínuo fechar do Mar de Tethys. Em seguida a abertura da hoje conhecida como Passagem de Drake entre a Antártica e a Patagónia, bem como da Austrália (Tasmânia) com a Antártica, levou à criação de uma corrente Antártica que levou ao progressivo arrefecimento dos oceanos no Hemisfério Sul e possivelmente a um crescente aumento da produção primária, levando provavelmente ao desenvolvimento de novas técnicas de alimentação por parte dos cetáceos. Por último todos os Oceanos passaram a ser praticamente como os conhecemos hoje, principalmente devido à continuada abertura do Oceano Atlântico.  

Estas épocas foram fundamentais na história dos cetáceos, pois foi nestas épocas que grande parte dos Arqueocetos desapareceram e que começaram a surgir aqueles que são conhecidos como os Neocetos. Foi aqui que começaram a desenvolver-se as duas principais técnicas de alimentação nos cetáceos:

O desenvolvimento da alimentação por filtração (Figura 4). Durante estas épocas, os antepassados dos misticetos passaram de uma alimentação de morder, mastigação simples e engolir, para uma alimentação totalmente focada na filtração através de estruturas hoje conhecidas como barbas, constituídas principalmente por queratina, o mesmo aminoácido que as nossas unhas e cabelo.

Figura 4: Evolução da alimentação por filtração desde o ancestral comum dos mysticeteces e odontocetes a família Basilosauridae, passando por várias das famílias ancestrais dos mysticetes Aetiocetidae e Eomysticetidae até a uma das espécies de mysticete atual, adaptado de (Marx, Hocking et al. 2016).

Nos antepassados dos odontocetes desenvolveram-se estruturas que permitem a produção de sinais de alta frequência, sinais estes que possivelmente possibilitariam a produção da ecolocalização (Figura 5). Característica fundamental para a captura de alimento, e que se demonstrou bastante eficaz durante a evolução dos odontocetes, visto que levou a que esta sub-ordem se tornasse a mais abundante com 73 espécies de cetáceos descritos nos nossos dias.

Figura 5: Evolução da audição desde os Arqueocetos até aos odontocetes atuais, com imagens da Cochlea (anterior (a,c,e,g) e vestibular (b,d,f,h), adaptado de (Park, Fitzgerald et al. 2016).

4) & 5) No Plioceno (5-2Ma) e Pleistoceno (2Ma-10000anos), foi durante estas épocas, principalmente na última, que ocorreram as famosas eras glaciares. O nosso Planeta, principalmente no Hemisfério Norte, teve sucessivas fases mais quentes e fases mais frias que em muito influenciaram a distribuição das espécies de cetáceos tal como as conhecemos hoje, nos Açores podemos observar alguns desses exemplos.

  1. Espécies anti-tropicais: Espécies irmãs que existem em ambos os hemisférios, mas que não existem nas zonas dos trópicos. Nos Açores o Botinhoso é uma dessas espécies.
  2. A migração das baleias de barbas com diferentes alturas do ano no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul.

Artigo de Rui Peres dos Santos 

Bibliografia:

Marx, F. G., D. P. Hocking, T. Park, T. Ziegler, A. R. Evans and E. M. Fitzgerald (2016). “Suction feeding preceded filtering in baleen whale evolution.” Memoirs of Museum Victoria 75.

Park, T., E. M. Fitzgerald and A. R. Evans (2016). “Ultrasonic hearing and echolocation in the earliest toothed whales.” Biol Lett 12(4).

Fontes:

  1. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pakicetus#/media/Ficheiro:Pakicetus_BW.jpg
  2. https://pt.wikipedia.org/wiki/Basilosaurus#/media/Ficheiro:Basilosaurus_BW.jpg
  3. https://deeptimemaps.com/global-paleogeography-and-tectonics-in-deep-time-series/
  4. https://evolutionnews.org/2018/07/from-bears-to-whales-a-difficult-transition/
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