O que sabemos sobre as orcas de São Miguel?

As orcas (Orcinus orca), a maior espécie de golfinhos, são um dos cetáceos mais conhecidos mundialmente, mas mesmo assim, são bastante misteriosos. A maioria das pessoas reconhece imediatamente o carismático animal da cor do panda, mas a maioria fica surpreendida ao saber que podemos encontrá-las nos Açores. É comum pensar que as orcas vivem apenas em águas frias como as do Ártico e da Antártica. É isso que costumamos ver na televisão, orcas estrategicamente a caçar focas em cima de blocos de gelo. Mas, na verdade, as orcas podem ser encontradas em todos os oceanos, desde as águas polares até às tropicais.

Embora não pareça, as orcas diferem muito na aparência, mas também no comportamento e na cultura. Dependendo de onde moram, de como utilizam o(s) habitat(s), da preferência alimentar e da estrutura social, apresentam diferentes colorações, comportamentos e até dialetos!!! É verdade! Cada pod (grupo familiar) produz sons que são usados para ecolocalização e comunicação, que são transmitidos culturalmente entre os indivíduos e que são diferentes de outros pods. E melhor ainda, as orcas conseguem identificar pods com base nos sons que fazem. Embora ainda haja muito por descobrir sobre a estrutura social das orcas em todo o mundo, sabemos que as orcas são animais incrivelmente sociais que vivem em grupos essencialmente formados por indivíduos aparentados.

Nos Açores, ocasionalmente temos a sorte de encontrar alguns indivíduos e aproveitamos todas as oportunidades para aumentar a nossa base de dados!

Mas a que população(ões) pertencem? De onde é que vêm? Onde é que vão? O que é que fazem nos Açores? Vêm para se reproduzir? Alimentar? Ou estão só de passagem?

Estas são apenas algumas das perguntas que a nossa equipa tem tentado responder. Como? Em primeiro lugar, precisamos de encontrar orcas. Em segundo lugar, temos de recolher dados como pontos de GPS, comportamento animal, composição do grupo e fotografias das caudas, dos cortes, cicatrizes e padrões de coloração corporais e das barbatanas dorsais. Em terceiro lugar, analisar os dados.

Mas como é que usamos estes dados? Que tipo de informação conseguimos retirar de todos os dados que recolhemos?

Bem, cientificamente falando, todos estes dados ajudam-nos a compreender melhor a ecologia desta espécie, como por exemplo, a dinâmica populacional, estrutura social, distribuição espacial e temporal e, consequentemente, ajudam a responder a todas as questões acima. Aqui está um exemplo! Entre 2006 e 2021, avistamos orcas em 36 dias diferentes (em 10 dos 16 anos) na costa sul da ilha de São Miguel, Açores. Como podem ver não são assim tantos avistamentos! Mas a maioria dos avistamentos de orcas foram feitos entre março e maio. Isto já nos diz alguma coisa. Será que preferem visitar os Açores nos meses de primavera? Se sim, porquê? Sabemos que as águas dos Açores são conhecidas por terem muitos nutrientes que vêm do fundo do mar para a superfície nesta altura do ano, um fenómeno chamado de upwelling. Mas será este o motivo de tais avistamentos? E porque é que os nossos avistamentos se encontram principalmente entre 1 e 5 km da costa e em áreas com profundidade entre 300 e 700m? Serão estes corredores de passagem, áreas ricas em presas?

Sightings of Orcinus orca in the study area (2006-2020).

Quando olhámos para todas as fotos que tirámos de tais avistamentos, fomos capazes de identificar 53 indivíduos. O que mais se destacou foi o “Mr. Ray ”, uma orca macho avistada em 2013 várias vezes ao longo de cinco meses. A sua marca mais notável? O corte que tem na barbatana dorsal. Um corte como nenhum outro. Aquele que o classifica como “Mr. Ray” e “Mr. Ray” apenas. Mas o “Mr. Ray” não foi a única orca re-avistada (avistada mais do que uma vez) em 10 anos de avistamentos de orcas. Outras 23 foram também re-avistadas, mas estas, apenas dentro de alguns dias consecutivos. Algumas foram re-avistadas em grupos, outras sozinhas. Mas nenhuma foi re-avistada entre anos diferentes.

Re-sighting of Mr. Rey in January, April and May 2013 (SM_FUT_Oo09). 

Estes 53 indivíduos permitiram-nos criar um novo catálogo de foto-identificação. E agora, procuramos um retrato mais alargado dos seus padrões de movimento, pois sabemos que não ficam o tempo todo nos Açores. As próximas etapas? Partilhar o nosso catálogo e informações de avistamentos com outros cientistas e especialistas em orcas. Sim, partilhar é cuidar. E é isso que estamos a fazer. Queremos aprender o máximo que pudermos sobre as populações de orcas nos Açores. E não apenas porque amamos estes animais, mas porque quanto mais soubermos, melhor podemos ajudar a protegê-los. Voltando à partilha do nosso catálogo, já fizemos isso! Comparámos os nossos indivíduos com os da Islândia, Gibraltar e Gênova, na Itália. Mas não encontramos nenhuma correspondência! Isto só aumenta a nossa vontade de descobrir onde é que estas orcas estão.

Ainda há muitas questões por responder, muito para compreender. Mal podemos esperar para as voltar a ver. Será que quando as virmos outra vez conseguiremos preencher algumas lacunas? Será que vamos conseguir reconhecer algumas delas? Dedos cruzados!

Veja este póster apresentado por uma das biólogas da Futurismo, Georgina Cabayol, em dezembro passado no XIX Encontro Nacional de Ecologia, Portugal, sobre o nosso trabalho.

Escrito por Mafalda Navas

Referências:

Cawardine M. 2020. Handbook Of Whales, Dolphins, And Porpoises Of The World. Princeton University Press.

Foote AD, Kuningas S, Samarra FI. 2014. North Atlantic killer whale research: past, present and future. Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom, 94(6), 1245-1252.

Jourdain E, Ugarte F, Víkingsson G, Samarra F, Ferguson S, Lawson J,Vongraven D, Desportes G. 2019. North Atlantic killer whale Orcinus orca populations: a review of current knowledge and threats to conservation. Mammal Review, 49(4), 384-400.

Young B, Higdon J, Ferguson S. 2011. Killer whale (Orcinus orca) photo-identification in the eastern Canadian Arctic. Polar Research, 30(1), 7203.

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