Uma das grandes particularidades da Futurismo é que não oferecemos apenas aos nossos viajantes a oportunidade de sair de barco e observar as magníficas criaturas que vivem no nosso cantinho do Atlântico, mas também, procuramos perceber melhor estas espécies através da investigação que os nossos biólogos fazem. Atualmente, temos vários projetos de investigação sobre algumas das espécies que podemos encontrar ao redor da Ilha de São Miguel, entre elas cachalotes (Physeter macrocephalus), golfinhos comuns (Delphinus delphis), golfinhos roazes (Tursiops truncatus), golfinhos-de-risso (Grampus griseus) e, o assunto do nosso artigo de hoje, baleias-piloto de barbatana curta (Globicephala macrorhynchus). Ramona, é aluna do Mestrado de Biologia Marinha na Universidade do Algarve, e esteve estes últimos meses a preparar a sua dissertação de mestrado sobre as baleias-piloto de barbatana curta de São Miguel.
O que são baleias piloto?
Ao contrário do que o nome indica, esta espécie pertence à família dos golfinhos e é a segunda maior deste grupo depois da orca, com os machos a atingir comprimentos de até 7 m, enquanto as fêmeas mais pequenas medem cerca de 5 m. A identificação destes animais é muito fácil devido à sua cabeça grande e arredondada, sem bico aparente, a cor cinza-preta escura (que no passado lhes deu o nome de “blackfish”) e a barbatana dorsal que se encontra no primeiro terço do corpo. As barbatanas peitorais são em forma de foice e o seu comprimento é uma das principais características que diferenciam as baleias-piloto de barbatanas longas (G. melas) das baleias-piloto de barbatanas curtas (G. macrorhynchus), como os seus nomes sugerem. Outra diferença entre estas duas espécies é a sua distribuição. Enquanto G. melas prefere regiões mais frias em latitudes mais elevadas, G. macrorhynchus habita águas temperadas quentes a tropicais em todo o mundo e é, portanto, a principal espécie que pode ser encontrada nos Açores.
Foto de Ramona Negulescu, Tenerife 2017
As baleias-piloto de barbatana curta alimentam-se principalmente de lulas e fazem mergulhos muito profundos para caçá-las. Estão entre os cetáceos mais rápidos, sabendo-se que atingem velocidades de 9 m/s e, por isso, foram apelidadas de “chitas do fundo do mar” (Aguilar Soto et al., 2008). Estes animais vivem em grupos matriarcais, formados por uma fêmea mais velha e várias gerações dos seus descendentes. As fêmeas têm uma cria a cada 3-5 anos e podem ter um total de 4-5 crias durante a vida. Um dos factos interessantes sobre as baleias-piloto de barbatana curta é que são uma das poucas espécies de mamíferos em que as fêmeas passam pela menopausa. Terminada a fase fértil, dedicam-se nos últimos anos de vida a ajudar a criar as crias das demais fêmeas do grupo.
Porque as devemos estudar?
Embora esta espécie seja bastante comum em várias partes do mundo e ocorra com frequência na Macaronésia, com alguns grupos residentes em Tenerife e na Madeira, muito pouco se sabe sobre os animais que são avistados nos Açores e na Ilha de São Miguel em particular. Raramente são avistados na área e todos os indivíduos encontrados nos Açores são conhecidos como transitórios, o que significa que só passam de vez em quando. Não sabemos ainda se preferem vir sempre para a mesma região do oceano ou se vêm mais durante uma determinada estação. Também não sabemos quais os indivíduos em específico que são avistados na ilha e se são sempre os mesmos que vêm todos os anos. A espécie foi listada como “Informação Insuficiente” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN em 2008 e recentemente em 2018 como “Pouco Preocupante”. No entanto, ainda enfrenta inúmeras ameaças, incluindo a poluição por plástico, colisões com barcos ou a captura acidental em diversas artes de pesca. Portanto, é imprescindível averiguar se formam ou não uma única unidade de conservação para que se possa adequar os procedimentos gestão.
Quais são os objetivos deste estudo?
O objetivo da dissertação de mestrado de Ramona Negulescu é preencher ao máximo esta lacuna de conhecimento sobre as baleias-piloto de São Miguel. Para tal, foram analisados dados recolhidos pelos nossos biólogos em saídas de observação de cetáceos, bem como dados recolhidos pelos nossos vigias.
Mapas de distribuição utilizando coordenadas de GPS obtidas a bordo das embarcações foram produzidos para mostrar como é que as baleias-piloto usam o espaço ao redor da ilha e para verificar se preferem determinados pontos ou se estes se espalham por uma área maior. Para avaliar se estas preferem uma determinada área, foram usados dados de terra e de barco. Durante a baixa temporada turística, e quando as viagens de observação de baleias não são realizadas diariamente devido às condições desfavoráveis do mar, alguns avistamentos são registados apenas em terra.
Ramona Negulescu desenvolveu ainda um catálogo de foto-identificação (foto ID) para saber quais os indivíduos que foram avistados na área e se os mesmos voltam ano após ano. Para isto, mais de 3400 fotos foram processadas e analisadas. Para distinguir os indivíduos teve-se em conta as diferenças na forma e no número de cortes das barbatanas dorsais. Esta técnica, foto-identificação, contribui para o conhecimento sobre a movimentação destes animais no Atlântico Norte.
Fotos de Laura Otero, São Miguel 2017
Quais foram algumas das conclusões deste estudo?
Depois de analisar dados e fotos recolhidos ao longo dos últimos 11 anos, Ramona Negulescu constatou que as baleias-piloto de São Miguel preferem passar pela ilha durante o verão, altura em que também são frequentemente avistadas, acompanhadas de crias e juvenis. Normalmente são avistadas a poucos quilómetros da costa, em regiões de águas profundas, onde há mais hipóteses de encontrarem lulas. A bióloga marinha conseguiu ainda identificar e catalogar mais de 300 baleias-piloto, algumas das quais foram avistadas juntas em ocasiões diferentes, o que indica que podem pertencer ao mesmo grupo.
Existem planos para o futuro?
Este projeto encontra-se na sua primeira fase e os nossos resultados apenas começam a dar forma ao conhecimento que temos sobre a presença desta espécie nos Açores. No entanto, ainda há muitas perguntas a responder sobre as baleias-piloto de São Miguel. Quantos grupos passam e com que frequência o fazem? Quantos indivíduos exatamente fazem parte de cada grupo? São as mesmas baleias que são avistadas nas outras ilhas do arquipélago? Estes são apenas alguns dos tópicos que tentaremos investigar e compreender nos próximos anos.
Escrito por Ramona Negulescu