Os golfinhos roazes estão entre as espécies de golfinhos mais avistadas durante todo o ano em São Miguel durante as nossas viagens e, por isso mesmo, temos muitas oportunidades para recolher dados importantes sobre eles. Alguns dos golfinhos roazes que vemos já são bem conhecidos desde há alguns anos, visto terem algumas características ou marcas proeminentes, tal como podem ver neste artigo escrito pela nossa bióloga Mariana Silva. No entanto, de forma a melhorar o nosso conhecimento sobre esta espécie aqui em São Miguel, uma estudante da Universidade do Algarve, Rita Catalão, juntou-se recentemente à nossa equipa e decidiu estudar os golfinhos roazes para a sua tese de mestrado.
A definição de população descreve um grupo de organismos da mesma espécie que ocupa um determinado espaço a um determinado momento. No entanto, indivíduos da mesma população podem movimentar-se de forma diferente mostrando diferentes tipos de fidelidade a uma área, e por isso, também irá revelar diferentes impactos sobre a distribuição e abundância, seleção de habitat, interações com outras espécies e estrutura social (Defran et al., 1999; Börger, 2016; Nathan et al., 2008). Quer estes fiquem na mesma área ou saiam, os seus movimentos são geralmente influenciados pela distribuição de recursos limitantes como alimentos, parceiros, áreas de amamentação, de descanso e de esconderijo dos predadores (Nathan et al., 2008; Silva et al., 2007). Espécies com grande fidelidade a uma determinada área e padrões de movimentos restritos têm tendência a ser mais vulneráveis a declínios de população devido a ameaças locais (Warkentin & Hernández, 1996; Atkins et al., 2016). Por essa razão, é importante definir áreas chave para cada espécie para que se possam aplicar medidas de conservação adequadas de acordo com as necessidade das populações (Herfindal et al., 2005).
Foto identificação tem sido muito utilizada recentemente para estudar abundância de espécies, fidelidade a áreas, padrões de movimento e estrutura social (Würsig & Jefferson, 1990). A sua primeira aplicação em cetáceos ocorreu no início dos anos 70, e desde então os dados resultantes desta técnica têm aumentado (Neumann et al., 2002), particularmente com a implementação da fotografia digital. Marcas naturais que são consideradas distinguíveis são usadas para identificar os indivíduos, ao invés de capturar fisicamente os animais, provando ser uma técnica eficiente e não invasiva (Evans & Hammond, 2004; Neumann et al., 2002).
Nos Açores, vários estudo foram realizados sobre golfinhos roazes com o objetivo de entender os seus padrões de movimento e residência, ocorrência e distribuição, sobrevivência e abundância. No entanto, embora bastantes dados tenham sido recolhidos ao longo dos anos, apenas alguns estudos foram feitos sobre a estrutura social, no grupo central do arquipélago dos Açores (Silva et al., 2008), e sobre a preferência de habitat, em São Miguel (Fernandéz et al., 2018; González García, 2018).
Para analisar a distribuição dos roazes e criar um catálogo de foto identificação dos indivíduos encontrados em São Miguel, foi usada uma base de dados dos avistamentos de 10 anos (2010-2019) e uma base de dados fotográficos de seis anos (2014-2019), ambas recolhidas a bordo das embarcações de observação de cetáceos da Futurismo.
Para o catalogo usámos golfinhos com cortes, marcas ou pigmentação proeminente na barbatana dorsal.
Este estudo pretende verificar a ocorrência, identificar grupos e possíveis residentes ou transientes, mas também aceder à distribuição temporal e espacial dos golfinhos roazes que se encontram nas águas de São Miguel. Resultados preliminares mostram que há alguns golfinhos que são encontrados juntos (em grupo) em dias diferentes, mas também indivíduos que são avistados várias vezes. Estes resultados vão poder indicar se os golfinhos estão presentes apenas durante algum tempo na área, se estes vão embora e depois voltam, ou até mesmo se são residentes. Entender a sua fidelidade e distribuição nas águas de São Miguel irá também fornecer informação realista para poder implementar planos de gestão e conservação à volta da ilha.
Artigo de Rita Catalão
Referências
Atkins, S., Cantor, M., Pillay, N., Cliff, G., Keith, M., & Parra, G. J. (2016). Net loss of endangered humpback dolphins: integrating residency, site fidelity, and bycatch in shark nets. Marine Ecology Progress Series, 555, 249-260.
Börger, L. (2016). Stuck in motion? Reconnecting questions and tools in movement ecology. Journal of Animal Ecology, 85(1), 5-10.
Defran, R. H., Weller, D. W., Kelly, D. L., & Espinosa, M. A. (1999). Range characteristics of Pacific coast bottlenose dolphins (Tursiops truncatus) in the Southern California Bight. Marine Mammal Science, 15(2), 381-393.
Evans, P. G., & Hammond, P. S. (2004). Monitoring cetaceans in European waters. Mammal review, 34(1‐2), 131-156.
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Würsig, B., Kieckhefer, T. R., & Jefferson, T. A. (1990). Visual displays for communication in cetaceans. In Sensory abilities of cetaceans (pp. 545-559). Springer, Boston, MA.