Erguendo-se das profundezas do Atlântico Norte, o arquipélago dos Açores é um oásis para a biodiversidade marinha, onde já foram registadas até agora 28 espécies de cetáceos (Silva et al., 2014). Isso corresponde a um terço de todas as espécies de cetáceos do mundo! Algumas destas espécies, como o cachalote ou o golfinho de Risso, são residentes, enquanto outras, como as baleias azuis, comuns, sardinheira e baleias de bossa são migratórias. Estas últimas são os maiores animais que já viveram no nosso mundo e, todos os anos, aqui nos Açores, temos a sorte de testemunhar um dos maiores eventos migratórios do nosso planeta.
Mas o que torna os Açores um lugar tão especial para estes animais?
Bem, a resposta está no local estratégico onde nasceu o Arquipélago, criando uma complexa relação entre as características batimétricas da área e o dinamismo oceanográfico em torno das ilhas (González García et al., 2018). Estas condições conferem aos Açores uma elevada capacidade de retenção de partículas (como nutrientes) e organismos (como o plâncton) que estão à deriva nas correntes oceânicas que rodeiam o arquipélago (Sala et al., 2016). Todas estas variáveis criam uma variedade de habitats para a megafauna tornando os Açores um dos locais do mundo com maior biodiversidade de cetáceos (Afonso et al., 2020).
As grandes baleias migratórias (azul, comum, sardinheira e baleia de bossa), fazem migrações anuais das águas quentes temperadas onde se reproduzem e dão à luz, às águas frias e produtivas polares onde se alimentam. Durante estas migrações em massa, as grandes baleias que atravessam o Atlântico Norte veem os Açores como se o arquipélago fosse uma bomba de gasolina no meio de uma autoestrada. Por exemplo, as baleias azuis e comuns podem parar aqui por alguns dias para se alimentar dos alimentos que encontrarem, mas depois continuarão a sua jornada em direção ao norte (Tobeña et al., 2016; González García et al., 2018; Pérez-Jorge e outros, 2020). Basicamente, elas param aqui para comer uns petiscos antes do prato principal. Saiba mais sobre as baleias que visitam os Açores.
Apesar do tamanho, da natureza misteriosa e, às vezes, do isolamento desses animais, essas longas migrações estão a tornar-se cada vez mais desafiantes para as baleias em todo o mundo, e é quase impossível evitar as consequências das atividades humanas.
Pela primeira vez, a WWF (World Wildlife Fund) divulgou um relatório global intitulado Protecting Blue Corridors (Protegendo Corredores Azuis) que analisa os dados de rastreamento por satélite de mais de 1.000 baleias migratórias em todo o mundo nos últimos 30 anos. Este estudo só foi possível graças a uma análise colaborativa de mais de 50 grupos de investigação, com mais de 30 anos de dados científicos, que contou com a colaboração de cientistas marinhos da Universidade do Estado do Oregon, Universidade da Califórnia Santa Cruz, Universidade de Southampton, Universidade dos Açores e outras. O relatório fornece novas informações sobre as rotas migratórias (os corredores azuis) das baleias em todos os oceanos, enfatizando as ameaças que esses animais enfrentam todos os anos. O emaranhamento em redes de pesca, poluição (por exemplo, plástico e ruído) e mudanças climáticas são apenas alguns dos obstáculos que esses animais enfrentam. Todos os anos, cerca de 300.000 cetáceos morrem devido ao emaranhamento das redes de pesca, tornando-se o obstáculo mais mortal (Read et al., 2006). Saiba mais sobre emaranhamento, felizmente não é assim tão frequente nos Açores e o que fazer se encontrarmos um golfinho ou uma baleia encalhados.
Muitas espécies de baleias ainda hoje são consideradas “Em Perigo” ou “Vulneráveis” pela IUCN, mesmo após décadas de proteção sob a moratória da IWC, publicada em 1982 e em vigor desde 1986, cessando a caça comercial de todas as espécies e populações de baleias do mundo.
Nos Açores, das cinco baleias mais avistadas temos 3 atualmente consideradas na categoria “ameaçadas” pela IUCN. Tanto a baleia comum como o cachalote são considerados “Vulneráveis” (tamanho da população reduzido em pelo menos 50% durante as últimas três gerações) (Cooke, 2018a; Taylor et al., 2019) e a baleia azul e a baleia sardinheira “Em Perigo” (a população tamanho reduzido em pelo menos 70% durante as últimas três gerações) (Cooke, 2018b; 2018c). O caso extremo é a baleia franca do Atlântico Norte que, de acordo com o relatório do WWF, atingiu o menor tamanho populacional dos últimos 20 anos, com apenas 336 indivíduos! A última vez que esta espécie “Criticamente Ameaçada” foi avistada nos Açores, foi no ano de 2009, e 101 dias antes, o mesmo indivíduo foi avistado na Baía de Fundy (Canadá), comprovando que esta espécie também sofre movimentos longitudinais (Silva et al., 2012; Cooke, 2020a).
Mas o que podemos fazer para proteger todas estas baleias?
O mesmo relatório diz que a solução passa por proteger os corredores azuis, as rotas migratórias utilizadas por estes animais. Claro que esta medida de conservação vai além das fronteiras nacionais e internacionais, o que significa que a cooperação entre os níveis local, regional e internacional é uma obrigação! Usando essa estratégia, podemos concentrar-nos em proteger várias espécies ao mesmo tempo! MAS os benefícios de proteger os corredores azuis vão muito além das baleias. Há cada vez mais evidências que mostram que as grandes baleias desempenham um papel vital na manutenção dos nossos oceanos produtivos e saudáveis. As baleias influenciam os ecossistemas marinhos de várias maneiras: como consumidoras de toneladas de peixes e invertebrados; como presa de outros mamíferos marinhos (como a orca); como os reservatórios de grandes quantidades de carbono; como transportadores de nutrientes de forma vertical e horizontal (Roman et al., 2014). Devido à importância das grandes baleias, o Fundo Monetário Internacional estima o valor de uma única grande baleia em mais de US$ 2 milhões, o que avalia toda a população global de grandes baleias de US$ 1 trilhão (Chami et al., 2019) . Sabia que uma única baleia pode capturar a mesma quantidade de carbono de cerca de 1500 árvores (Chami et al., 2019)!? Ora, manter uma população saudável de baleias nos oceanos pode ser uma das soluções para ajudar no combate às mudanças climáticas!
E como se isso não bastasse, a importância das baleias na sociedade é rastreada desde os tempos antigos, reforçando a coesão da comunidade e a identidade cultural, inspirando artistas de todo o mundo e com um forte potencial educacional, que finalmente se traduz num aumento do interesse pela conservação e consciencialização ambiental (Cook et al., 2020b).
Em 2021, a organização sem fins lucrativos, Mission Blue, da reconhecida mundialmente bióloga marinha Sylvia Earle, classificou o Arquipélago dos Açores como um ponto de esperança (Hope Spot) de apoio a uma rede de áreas marinhas protegidas que se estendem desde a superfície do mar até às profundezas. Sylvia Earle considerou mesmo que o “Arquipélago dos Açores é um íman para a vida, é realmente um lugar mágico.
Se está nos Açores, significa que está num dos melhores locais do mundo para desfrutar da companhia dos maiores animais que já viveram no nosso planeta. Por volta da primavera, as grandes baleias vêm visitar-nos, por isso, se ainda não está convencido do quão incrível é este arquipélago e quão fantásticos são estes animais, venha ver por si mesmo 😉
Escrito por Inês Coelho, Maria Ernesto e Laura González Garcia
Bibliografia:
Afonso, P., Fontes, J., Giacomello, E., Magalhães, M. C., Martins, H. R., Morato, T., … & Vandeperre, F. (2020a). The Azores: a mid-Atlantic hotspot for marine megafauna research and conservation. Frontiers in Marine Science, 6, 826.
Chami, R., Cosimano, T., Fullenkamp, C., & Oztosun, S. (2019). Nature’s Solution to climate change: A strategy to protect whales can limit greenhouse gases and global warming. Finance & Development, 56(004).
Cooke, J.G. 2018a. Balaenoptera physalus. The IUCN Red List of Threatened Species 2018: e.T2478A50349982. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2018-2.RLTS.T2478A50349982.en. Accessed on 27 March 2022.
Cooke, J.G. (2018b). Balaenoptera musculus (errata version published in 2019). The IUCN Red List of Threatened Species 2018: e.T2477A156923585. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2018-2.RLTS.T2477A156923585.en. Accessed on 27 March 2022.
Cooke, J.G. (2018c). Balaenoptera borealis. The IUCN Red List of Threatened Species 2018: e.T2475A130482064. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2018-2.RLTS.T2475A130482064.en. Accessed on 27 March 2022.
Cooke, J.G. 2020a. Eubalaena glacialis (errata version published in 2020). The IUCN Red List of Threatened Species 2020: e.T41712A178589687. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2020-2.RLTS.T41712A178589687.en. Accessed on 27 March 2022.
Cook, D., Malinauskaite, L., Davíðsdóttir, B., Ögmundardóttir, H., & Roman, J. (2020b). Reflections on the ecosystem services of whales and valuing their contribution to human well-being. Ocean & Coastal Management, 186, 105100.
González García, L. (2018). Cetacean distribution in São Miguel (Azores): influence of environmental variables at different spatial and temporal scales (Doctoral Dissertation). Retrieved from: http://hdl.handle.net/11093/1218
Pérez‐Jorge, S., Tobeña, M., Prieto, R., Vandeperre, F., Calmettes, B., Lehodey, P., & Silva, M. A. (2020). Environmental drivers of large‐scale movements of baleen whales in the mid‐North Atlantic Ocean. Diversity and Distributions, 26(6), 683-698.
Read, A. J., Drinker, P., & Northridge, S. (2006). Bycatch of marine mammals in US and global fisheries. Conservation biology, 20(1), 163-169.
Roman, J., Estes, J. A., Morissette, L., Smith, C., Costa, D., McCarthy, J., Nation, J. B., Nicol, S., Pershing, A., & Smetacek, V. (2014). Whales as marine ecosystem engineers. Frontiers in Ecology and the Environment, 12(7), 377-85.
Silva, M. A., Steiner, L. I. S. A., Cascão, I. R. M. A., Cruz, M. J., Prieto, R., Cole, T., … & Baumgartner, M. F. (2012). Winter sighting of a known western North Atlantic right whale in the Azores. Journal of Cetacean Research and Management, 12, 65-69.
Silva, M. A., Prieto, R., Cascão, I., Seabra, M. I., Machete, M., Baumgartner, M. F., & Santos, R. S. (2014). Spatial and temporal distribution of cetaceans in the mid-Atlantic waters around the Azores. Marine Biology Research, 10(2), 123-137.
Taylor, B.L., Baird, R., Barlow, J., Dawson, S.M., Ford, J., Mead, J.G., Notarbartolo di Sciara, G., Wade, P. & Pitman, R.L. (2019). Physeter macrocephalus (amended version of 2008 assessment). The IUCN Red List of Threatened Species 2019: e.T41755A160983555. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2008.RLTS.T41755A160983555.en. Accessed on 27 March 2022.
Tobeña, M., Prieto, R., Machete, M., & Silva, M. A. (2016). Modeling the potential distribution and richness of cetaceans in the Azores from fisheries observer program data. Frontiers in Marine Science, 3, 202.